Essa vida poderia ser um "Conto de Fadas". Estou aprendendo isso com a minha filha.
A Sophia é louca por estórias do gênero, ama se fantasiar e assistir esse tipo de filme. Além disso, passa horas com livros que falam dessas estórias, e atualmente sempre que me vê triste, ou quietinha, ela senta no meu colo e vem me contar uma estória.
Ela criou a expectativa de que tudo no final acaba bem (herdou isso da Glaucinha), porém sabemos que nem sempre a realidade nos permite que isso se concretize.
Viemos para Fortaleza, para férias relâmpago de dez dias. Na verdade escolhi tudo no impulso, e acabamos vindo para um Resort chamado Aquaville. É um lugar lindo, onde vários casais (e leia - só existem casais com ou sem filhos aqui) escolhem passar um tempo aproveitando esse clima maravilhoso, esse mar deslumbrante.
Na verdade estamos num momento crítico de nossas vidas, onde a nossa rotina diária de nossa casa foi alterada. Para uma família normal, a separação dos pais já choca, entristece, emudece as crianças. Para uma criança diferente, com a sensibilidade a flor da pele, como é o caso da Sophia, é uma coisa enlouquecedora.
Conversando com uma terapeuta linda e maravilhosa, que Deus colocou em nossa vida no Beach Park, que trabalha com adultos com esse tipo de problema, ela me disse que crianças com "espectro autista" ainda são mais sensíveis que as "normais", e por justamente não conseguirem expor seus sentimentos, suas emoções, suas angustias e suas dores, acabam por optar por alguma outra forma de expressão, seja ela através do choro, do auto-flagelar, ou até do contar estórias, como é o caso da Sophia.
Ela a todo o momento, tentar me fazer sorrir, e me provar que todas as estórias acabam bem, e o que precisa é apenas uma rosa vermelha (a Bela e a Fera), e o beijo do amor eterno (essa está em todas os Contos de Fada).
Voltamos da piscina, onde o sol havia sido trocado por um chuva fininha, e ela após um banho delicioso, deitou e acabou adormecendo.
Liguei o notebook para responder os emails do trabalho, ver os amigos pelo facebook, e fui pesquisar na net outras informações de como poder aliviar isso dela dentro do seu coração. Nada encontrei sobre o tema. Apenas relatos como esses nossos, blogs caseiros, onde os próprios pais colocam as suas experiências. Isso então me deixou mais triste, porque não há nenhum profissional que tenha estudado isso ainda. Se alguém aliás souber de alguma literatura, por me indiquem.
E ai algo ainda me assustou mais. Antes da Sophia não conhecia ninguém autista, exceto um garoto quando eu era pequena. E onde se escondem essas crianças? Afinal se são 20 milhões, temos 20 milhões de esconderijos? Porque viajo bastante, vou a parques, e vários lugares. Toda vez que informo que a Sophia tem um modo diferente de compreender e falar, me perguntam se ela é Deficiente. Ai venho com a minha resposta de praxe... "Ela é normal, apenas Autista". Porque para uma Autista, ela é super normal... aliás se comunica super bem, atualmente coloca suas emoções o tempo todo para serem notadas. Interage inclusive com quem não conhece.
O Autismo realmente é uma ciência feita por pais, irmãs (lembrando minhas queridas novas amigas "Estou Autista"), avós e pessoas que convivem com essas crianças. Bons profissionais estudam, pesquisam, mas não nos dão esse lado prático, tipo, fantasie com seu filho, funciona assim, assim, assado. Pinte com ele, deixe a casa bagunçada e veja a reação dele dê comida B ou comida A.
Somos nós mães e pais, que tem o lado humanitário de não só dividir, mas contribuir com outras crianças, cujos pais ainda estão atordoados com a notícia do pseudo-diagnóstico (digo isso porque até agora a Sophia não o tem), e busquem na net orientações do nosso dia a dia.
Aqui mesmo no Resort, toda vez que ela via um Pai com alguma criança, chegava perto dele e informava que ela estava sem o dela. Que o pai dela se chama Ed, e que agora não está mais com ela.
Fiquei pasma, porque isso ocorreu três vezes em dois dias, e na verdade ela não precisou brigas ou discussões, e nem foi informada que havia a separação, visto que viemos imediatamente para Fortaleza.
Ontem (comecei o blog ontem e estou retomando hoje -RS), ela sentou comigo e com a tia Mila e nos contou várias vezes as estórias de fadas que ela tanto ama.
Todas têm uma princesa linda... uma Madrasta (figura feminina) e um Pai que vem, traz rosa, ou impede a bruxa de casar com o príncipe (pequena Sereia). Enfim... a figura paterna está em todos os contos de fadas.
Nós mães acabamos ficando com o lado castrador, é verdade. Somos nós que direcionamos muitas vezes, colocamos limites, e fazemos a parte desagradável do educar. Acho que por isso todas essas estórias de contos de fadas, que pesquisei hoje e foram escritas também por homens, veneram a figura paterna dessa maneira.
De qualquer forma temos que lidar com todo o tipo de situação. Eu posso dizer, nesse meu depoimento pessoal, que a Sophia realmente reagiu ao ocorrido, o que foi bom para ela, porque afinal mostrou que está interagindo com as ações do mundo sobre ela.
Hoje, quando ela estava literalmente mergulhando na piscina, contou os três contos que mais gosta para uma querida mulher, que ficou também apaixonada por ela, Fabiana de Bento. Repetia, repetia, e sempre no final dizia "viveram felizes para sempre" e fim.
Apesar de saber que crianças como ela decoram rapidamente o texto e repetem, inclusive imitando as vozes e dando ênfase à ação do conto, a todo o momento ela quando ia falar que sobre o "Príncipe" me olhava de canto de olho, e me dizia... "porque todo mundo tem pai e mãe".
Sem tirar o lado que o meu coração sangrava por dentro, o meu pulmão conseguia respirar um pouco mais aliviado, por ela conseguir não só lidar da sua maneira com essa situação, mas também colocar isso tudo para fora.
Nesse exato momento, ela me fez parar e ligar para o Pai, com uma rosa de plástico em sua mão, que o Ed a presenteou antes de sairmos de viagem, e como sempre, queria falar algo para ele, do seu dia, do que estava assistindo, e como sempre colocava o telefone no meu ouvido (apesar de estar no viva-voz), para que eu conversasse com ele. Eu sempre acabava falando algo, mas desta vez simplesmente desliguei.
Ela rapidamente criticou a minha ação, e me disse que "isso não é justo, agora era a sua vez".
Queria dizer a ela, que o nosso dia nos faz ter alguns desgastes, e a vida nos prega peças, que temos que mudar o rumo. Queria pedir desculpas a ela por não termos conseguido poupá-la de tudo isso, e que infelizmente ações tomadas nos fazem ter caminhos separados.
Mas não pude. Simplesmente fiquei catatônica, e foi o meu momento de estar autista, dentro do meu próprio mundo, com minhas fantasias, anseios e vontades, sem poder dizer a ela as verdades que nós adultos temos escondidos. Não pude chorar, ou lamentar nada. Somente abraçá-la e plagiar, dizendo que "tudo acaba bem no final".